quinta-feira, 6 de junho de 2013

Entrevista com Luiz Felipe Pondé



Fumando um charuto cubano Montecristo, o filósofo Luiz Felipe Pondé recebe IMPRENSA no escritório-biblioteca de seu apartamento na zona oeste de São Paulo. “É o único produto cubano que aprecio. Talvez, o único produto cubano que exista", brinca.
Na sala repleta de livros, muitos empilhados no chão, e estantes cheias de imagens religiosas – de santos a orixás – o filosofo ateu (desde os oito anos) trabalha às segundas, terças e quartas. Na quinta, dá aulas na Faap. Na sexta, vai à Faap pela manhã, PUC pela tarde e TV Cultura à noite.

Colunista às segundas da “Ilustrada”, da Folha, é, hoje, um intelectual pop. Mesmo imerso em temas densos, está na TV, revistas e é best-seller, principalmente com os seus "Contra um mundo melhor" [Editora Leya, 2010] e o “Manual do Politicamente Incorreto da Filosofia” [Editora Leya, 2012].

Não é incomum ouvir seu nome associado a outros adjetivos como direitista, conservador, “reaça” (para os leigos: reacionário). E outros menos gentis. Entre adeptos e adversários, certo é que ele é polêmico. E não nega os dois últimos “rótulos”.

“Eu me vejo como um liberal conservative [um direitista liberal]. Sou conservador em política, liberal no resto. Por exemplo, sou a favor do casamento gay. Eu me sinto uma pessoa muito mais liberal e menos moralista do que pessoas de esquerda que conheço”, diz.

Em entrevista exclusiva à IMPRENSA, Pondé fala da dicotomia direita/esquerda, PT, Chávez, Deus, e, é claro, mídia e imprensa. Como de praxe, bem longe do muro. “É bom ter um veículo como a Vejaque chamou a responsabilidade para si de fazer oposição, já que não existe oposição no país.” Confira o papo na íntegra.

MÍDIA E IMPRENSA

IMPRENSA – O politicamente correto também pauta a mídia e a imprensa brasileira?
LUIZ FELIPE PONDÉ – Está presente, sim. E tem se instaurado pelas universidades, pelas ciências sociais, pelo curso de jornalismo, pela escola de direito, de magistratura e tudo mais. Isso tudo acaba desaguando na mídia, porque o jornalista, na sua raiz, tem uma imagem de si mesmo como uma espécie de pregador do bem, que vai corrigir os problemas do mundo. 

A seu ver, assumir qualquer papel nesse sentido é bobagem?
Sabe aquela piada de que a diferença entre o publicitário e o jornalista é que ambos vão para o inferno, mas que o jornalista não sabe? O jornalista se vê como um cara puro. Muitas vezes, o que dá viés no jornalismo é a ideologia do editor, do repórter. É na pergunta que ele faz. Isso é pior no jornalismo do que o dono do jornal. Quer ver outra forma, esta indireta, de politicamente correto? No medo, medo de escrever. Uma das coisas que os leitores identificam em mim é que eu não tenho medo do leitor, não estou preocupado em agradá-lo.

O jornalismo brasileiro está cheio de medo?
Sim. Pelo menos o opinativo está. É menos medo consciente, e mais medo de não agradar o leitor.
Você fala o que todo mundo quer porque faz parte do pacotinho ético que se espera de você. Isso é o politicamente correto comendo pelas bordas. Um dos problemas das democracias é que ela revelou aos idiotas a sua maioria numérica. Essa é do Nelson Rodrigues.
Discute-se muito se a mídia deve ser isenta ou pode ser política. Qual é o "modelo" de imprensa que mais te agrada?
Acredito mais no modelo de veículo plural, como a Folha, que publica eu e o [filósofo Vladimir] Safatle. Isso gera controvérsia e polêmica. No contexto nacional, você pode ter um veículo como a Folha, outro como o Estadão, que tem uma linha editorial que não é conservadora liberal como muita gente acha que é, porque a massa média das redações é de formação de esquerda. 

E qual é sua opinião sobre a Veja?
Acho importante que exista uma revista como a Veja, que assume que é conservadora liberal, que chamou para a si a responsabilidade de fazer oposição, já que não existe oposição no país. Nós temos um partido no poder que tem um projeto de esquerda de nunca mais sair do poder. E isso é perigoso. A saída da Veja é honesta.

Veja está só nessa?
Se você compara Estadão à Veja, a Veja é a verdadeira liberal conservative no Brasil. O Estadão é conservador no sentido de não gostar de polêmica. Isso faz com que ele faça matérias e análises muito boas e densas, mas é um jornal bem comportado. O Estadão é um conservador comportado e a Veja é um conservador rebelde.

Como você vê o jornalismo da Carta Capital, por ser mais à esquerda e mais sintonizada com o governo?
É o veículo da esquerda brasileira. É honesta, sendo de esquerda. O problema é que a esquerda tem uma desonestidade de se achar pura. A esquerda herdou um puritanismo hipócrita do cristianismo medieval e moderno. O [escritor Mario Vargas] Llosa fala uma coisa muito boa. A esquerda perdeu em tudo, menos na cultura. Ela domina a cultura. Aí é forte, porque aí ela vai formando cabeça. A Carta Capital não acha que está em uma luta política, mas na luta do bem. 

POLÍTICA, DIREITA E ESQUERDA

Como você tem visto a defesa da regulação da mídia, principalmente por parte do PT?
Toda forma da regulação sempre foi em nome do bem. E hoje continua assim. Os que querem regular, regulam sempre em nome do combate a algo ruim. Acho que a regulação deve vir dos próprios veículos.

Você se assume como conservador de direita. O que é isso para você?
Eu me vejo, como se fala em inglês, um liberal conservative. Sou conservador em política, liberal no resto. O que é isso? Acho que tem que ter propriedade privada, regime democrático republicano constitucional. A democracia é um regime imperfeito. Agora, acho que as pessoas têm a possibilidade e o direito de procurar realizar os sonhos delas de viver do jeito que quiserem. Lembro que em uma sabatina da Folha, três anos atrás, me perguntaram: "Você é a favor ou contra o casamento gay?" Eu disse: "Eu sou a favor." Reagiram: "Como assim?" Então, tem essas dicotomias bobas. Eu me sinto uma pessoa muito mais liberal e menos moralista do que as pessoas de esquerda que conheço.
Apesar da polêmica de números e métodos (como as políticas assistencialistas), é inegável que o PT tenha executado uma política efetiva contra a miséria. É possível criticá-la de forma absoluta?
Só se pode redistribuir renda quando há aumento de produtividade real da sociedade. Já estamos pagando a conta da farra das bolsas agora.

Um governo como o de Chávez, na Venezuela, não primou pelo compromisso democrático em vários casos, mas fez um "acerto de contas" em benefício da classe historicamente explorada, a indígena. O governo chavista deixa alguma lição para países colonizados, como o Brasil?
Não, a não ser o velho caudilhismo na América Latina. Não vejo como se pode "fazer justiça social" dando coisas pras pessoas. "Justiça social" é mercado econômico ativo. Quando você torna alguém cliente do estado, você destroi o caráter da pessoa. Não concordo com a ideia de vitimas históricas.

Quando se fala em "direita" e pensamento conservador no Brasil, pensa-se logo em ditadura. O problema está em certo autoritarismo da direita ou na incapacidade de ela se desvencilhar deste rótulo?
Associar pensamento liberal conservative com ditadura é um falta de conhecimento e mau-caratismo da esquerda, que se saiu bem da ditadura mantendo os "meios de produção da cultura" e destruindo qualquer debate real de ideias. Não existe opção partidária para quem é liberal conservative (ou direita liberal em português) no Brasil.

OUTROS PAPOS
Mudando um pouco de assunto. Na sua opinião, que mídia é a Internet?
É uma plataforma extremamente importante, que mudou a forma de se comunicar, mas junto traz o
que é de bom e o que é de bosta. A banalidade do ser humano vem à tona, porque deu voz a todo mundo. Grande parte da vida é dominada por essas coisas. Você é tragado por "eu tenho dinheiro ou não tenho", "sou amado ou não sou", "consigo transar ou não consigo", "consigo comer ou não", "tenho casa ou não tenho." Isso aparece na Internet. Sabe essa coisa de você colocar uma foto de dentro de um avião, porque você nunca andou de avião, ou uma foto da casa própria, porque você nunca teve?

Para finalizar, o ateísmo é a "categoria" que melhor define sua opinião sobre Deus?
O primeiro momento que me lembro como ateu, tinha oito anos. Lembro do dia, inclusive. Tenho o sentimento de que, aos oito ou dez anos, eu já era mais ou menos quem sou hoje. Escrevi isso no livro que eu publiquei com o João Pereira Coutinho e o Denis Rosenfield, “Porque virei à direita” [Ed. Três Estrelas, 2012]. Mas, hoje, acho o ateísmo banal, é a hipótese mais fácil. Ao mesmo tempo, acho Deus uma hipótese elegante. A ideia de que exista um ser inteligente, bondoso, que gerou o mundo, é filosoficamente interessante. Mas, não sinto necessidade no meu dia a dia. Nasci sem órgão metafísico.


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