sábado, 12 de setembro de 2009

Como fazer um burro falar

Texto de João Mellão Neto*

Estadão - Opinião

O Brasil, graças às recentes descobertas do pré-sal, está em via de ostentar uma das quatro maiores reservas mundiais de petróleo. Seguramente será a maior fora do Oriente Médio. Parabéns ao nosso país, parabéns ao povo brasileiro e parabéns também à Petrobrás. Infelizmente, as congratulações param por aí. O governo brasileiro, em relação a tudo isso, está exercendo um papel muito feio.

A Petrobrás, desde sua fundação, no início da década de 1950, sempre foi uma empresa ambígua, problemática e nada transparente. A começar pela sua criação. Há quem diga, atualmente, que a intenção do então presidente Getúlio Vargas nunca foi a de criar uma empresa estatal para exercer, na prática, o monopólio das atividades de exploração, refino e transporte do petróleo. O que se temia na ocasião era que a concessão de sua exploração, no Brasil, viesse a cair nas mãos das grandes empresas do ramo, às quais interessaria manter o País como mero consumidor. Verdade ou mentira, pouco importa. O fato é que o assunto chegou às ruas e mobilizou toda a Nação. A campanha popular ganhou o nome de "o petróleo é nosso!"

O apelo foi tão grande que culminou, em 1953, com a entrega de todas as atividades ligadas ao petróleo à recém-criada Petrobrás.

O grande receio, à época, era que, nas mãos de estrangeiros, o Brasil jamais alcançasse a autossuficiência em petróleo. Mal podiam imaginar os mentores da ideia que essa aclamada reserva de mercado é que não nos levaria à autossuficiência de modo algum. Durante muitos anos se acreditou que monopólios estatais eram a grande solução para atividades complexas, como é a extração de petróleo. Como as nações "subdesenvolvidas" - era esse o termo que se usava - não tinham condições de concentrar capital privado em volume suficiente para empreendimentos de tal vulto, era quase que uma certeza que as empresas estrangeiras acabariam por fazê-lo.

Muitos anos se passaram até que, na década de 1970, os pés de barro do gigante estatal foram mostrados explicitamente. Ocorreu então a primeira crise do petróleo. Tudo começou com a criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Tratava-se de uma iniciativa conjunta em que todos os grandes exportadores concordaram em racionar a produção com o intuito de aumentar o preço de sua mercadoria.

Funcionou. O barril de petróleo valia, à época, menos de US$ 2. Isso inibia a busca por combustíveis alternativos e também o desenvolvimento de motores mais eficientes. Esses fatos se deram em 1973 e o resto do mundo se prostrou de joelhos perante a Opep.

A fragilidade da posição brasileira, então, ficou explicitada. Com monopólio e tudo, mal conseguíamos produzir um quinto do petróleo que consumíamos. Para piorar ainda mais, sobreveio a segunda crise do petróleo, em 1980. O Brasil foi à lona.

Foi aí que começaram a surgir os primeiros contestadores do monopólio. E eles estavam munidos de argumentos impecáveis. Um deles era o ex-ministro do Planejamento Roberto Campos. Dizia ele, em tom de escárnio, que a Petrobrás só era grande da linha do solo para cima.

De fato, a Petrobrás "acima da linha do solo" explorava os mais insólitos ramos de atividade: hotéis, butiques, esportes, etc. Já "abaixo da linha do solo" - que é onde deveriam concentrar-se as suas atividades - ela era uma anã. Produzia apenas o equivalente a 200 mil barris de petróleo diários, para um consumo nacional de mais de 1 milhão.

Apesar de todas as evidências, o monopólio do petróleo só veio a ser abalado na década de 1990, quando o próprio governo encaminhou ao Congresso Nacional proposta de emenda constitucional permitindo a existência de outras empresas na sua exploração.

Funcionou. Tão logo caiu o monopólio, a Petrobrás levantou-se de seu berço esplêndido e atualmente produz 2 milhões de barris diários, dez vezes mais do que na década de 1980. A autossuficiência foi finalmente atingida. Graças, principalmente, à extinção do monopólio.

Isso, por si só, não significa que a Petrobrás se tenha tornado uma empresa "enxuta". Se o fosse, por que o desespero para impedir, no Senado, a CPI sobre ela?

Pois bem, todo esse esforço corre agora o risco de se perder, com o envio pelo Poder Executivo ao Congresso de sua proposta de "marco regulatório do pré-sal". Na prática, fica restabelecido o monopólio estatal sobre as atividades petrolíferas - ao menos no que diz respeito às reservas do pré-sal.

Ninguém tem dúvidas quanto à importância estratégica das novas jazidas. O estranho é que se faça um foguetório, quando as questões mais fundamentais ainda não foram respondidas.

O custo do barril extraído, em razão da profundidade, será competitivo?

Se for, o que fazer, uma vez que a própria Petrobrás reconhece que não existe tecnologia para tanto?

Mesmo que essa tecnologia venha a ser desenvolvida, o mais provável é que ela surja no estrangeiro. Pergunta-se: alguma petrolífera de vulto no mundo se disporá a investir no pré-sal, quando as cláusulas para isso são tão desvantajosas?

Por último: por que se está fazendo esse tremendo oba-oba agora, sabendo-se que esse petróleo só jorrará em 2020? Não seria tudo isso apenas uma patriotada pré-eleitoral?

Há uma fábula antiga que diz o seguinte: um sujeito foi ao rei propor que faria um burro falar. Pediu duas décadas de prazo mais uma farta pensão por mês. Um amigo advertiu o cidadão de que aquilo era uma loucura.

"Não é, não! Daqui a 20 anos um de nós, o rei ou eu, já terá morrido."

"E se isso não acontecer?"

"Fácil. Eu cuido de matar o burro!"


* João Mellão Neto, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado

E-mail: j.mellao@uol.com.br

Blog: www.blogdomellao.com.br

Um comentário:

Berenice Ribeiro disse...

Vim fazer uma visita para conhecer o seu bloge gostei muito. Estou colocando nos blogs que indico.
Abçs